sábado, 31 de dezembro de 2011

Cultura passada de pai para filho é responsável por analfabetismo

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Cultura passada de pai para filho é responsável por analfabetismo:

Priscilla Borges, iG Brasília

Estudo da USP dá vida a estatísticas oficiais: maioria dos analfabetos é idosa e cresceu no campo. Os filhos, porém, estudam

Hildo Moreira conhece as letras, mas tem muita dificuldade em compreender quando elas se tornam palavras. Apesar dos 46 anos de vida, até hoje a escola não foi um lugar em que se sentisse à vontade e conseguisse mantê-lo firme no propósito de aprender. Hildo lembra-se de ter completado apenas a 1 ª série do ensino fundamental, justamente a que as crianças começam a ler e a escrever.



Aos 46 anos, Hildo reconhece a placa do ônibus que o leva para casa, mas não consegue ler o jornal

Aos 46 anos, Hildo reconhece a placa do ônibus que o leva para casa, mas não consegue ler o jornal

Foto: Fellipe Brayan Sampaio

Desde então, as tentativas de continuar os estudos fracassaram. Por diferentes motivos. A falta de estímulo para estudar se misturaram ao desinteresse, à prioridade dada ao trabalho, à ausência de informações sobre os colégios. Hildo faz parte de uma triste estatística: a do analfabetismo. Os dados do Censo de 2010 (os mais recentes disponíveis) mostram que 9,6% da população brasileira – um total de 13,9 milhões de brasileiros com mais de 15 anos – não sabem ler ou escrever.



Um estudo realizado recentemente na Universidade de São Paulo (USP) dá vida aos números apontados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) como o perfil da maioria dos analfabetos do País. Ele mostra que a história de exclusão educacional dessas pessoas ainda na infância está ligada ao lugar onde a maioria morava: o campo. Não só o acesso às escolas dificultou a alfabetização, como também a cultura passada de pai para filho.



Vanessa Pupo, que realizou a pesquisa com 483 adultos matriculados em turmas de alfabetização de adultos na cidade de Piracicaba, conta que 70% deles cresceram em áreas rurais. Os pais deles também deixaram de ser alfabetizados. De acordo com os entrevistados pela pesquisadora, o trabalho na roça era visto como mais importante que o estudo. Por isso, o abandono escolar fazia parte da rotina das pessoas.



A vida posterior na cidade, no entanto, os impediu de reproduzir o pensamento dos pais: os filhos dos entrevistados não fazem parte das estatísticas do analfabetismo. “O estudo mostrou que as exigências do mundo do trabalho nas cidades fizeram com que eles passassem a valorizar a educação e a vissem como ferramenta de mobilidade social. Por isso, eles colocaram os filhos na escola e muitos ainda tentam estudar”, afirma Vanessa.



Os relatos dos estudantes adultos entrevistados por Vanessa podem ser a explicação para outro fenômeno registrado pelas estatísticas oficiais: a redução do analfabetismo entre jovens. Os dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) de 2010 mostram que, nos últimos 10 anos, a taxa de analfabetismo entre jovens com 15 a 24 anos recuou de 10,1% para 4,6%. A grande maioria (92,6%) dos analfabetos brasileiros tem mais de 25 anos.



Entre os idosos (com 60 anos ou mais), o movimento foi inverso. A quantidade de analfabetos cresceu. Em 1999, 34,4% da população desse grupo não sabiam ler nem escrever e, dez anos depois, chegou a 42,6%. Os dados também revelam que 40,7% da população rural é analfabeta funcional – não consegue compreender o que lê. Na área urbana, a porcentagem é de 16,7%.



Difícil recomeço

Os adultos entrevistados por Vanessa tentavam voltar à escola, tarefa que não é fácil. Quem faz essa opção aponta o desejo de um emprego melhor, de poder ajudar os filhos na escola ou de “deixar de ser cego” na sociedade como motivadores. Dentro das salas de aulas, eles precisam enfrentar métodos ainda distantes da própria realidade e infantilizados, como destaca Vanessa.



“O processo de alfabetização de adultos precisa ser diferente. Eles têm conhecimentos que não adquiriram por meio da escola e, por isso, não são valorizados. Mas essas experiências de vida precisam ser consideradas e servir como motivadores”, opina a pedagoga.



Hildo conhece bem todas essas dificuldades. Ele não morou em fazendas como os pais, mas foi criado por pais analfabetos, que não se importaram quando ele deixou a escola. Há 25 anos, ele vigia carros em um mesmo estacionamento no centro da capital federal. Algumas vezes, Hildo conta que tentou se livrar do cansaço e tentar estudar. Mas acabou desistindo novamente.



“Eu quero voltar para a escola. Se eu tivesse filho, não ia deixar ele parar não. A escola fez falta para eu conseguir um emprego melhor, mas eu também tenho vontade de pegar um jornal para ler”, conta. Hildo mora longe de onde trabalha. Depois de perguntar uma vez, conseguiu “aprender” a ler a placa do ônibus que o leva de volta para casa, na cidade-satélite de Taguatinga, no Distrito Federal.



Para Vanessa, traçar o perfil dos analfabetos é fundamental para a definição de políticas públicas. Mas faltam dados nesse sentido. “Não encontrei nada sobre o perfil desses estudantes na Secretaria Municipal de Educação de Piracicaba, por exemplo. Para sanarmos essa dívida histórica com as pessoas excluídas da educação, precisamos conhecê-las”, afirma.

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