quinta-feira, 14 de outubro de 2010

Drogas: Pais e professores devem manter jovens informados, afirmam especialistas

JORNAL - O DIA
POR ANGÉLICA PAULO

Rio - Um jovem de 20 anos é preso após tentar esfaquear os pais dentro de casa. O motivo do crime, segundo o autor, José Roberto Vicente de Oliveira Júnior, foi a ingestão de seis sacolés de cocaína. Mas a revelação não parou por aí. Segundo ele, o consumo de substâncias alucinógenas faz parte de seu dia-a-dia desde que completou 14 anos.

Após a confissão, José Roberto foi encaminhado para a Polinter, mas deixou do lado de fora das portas do presídio um alerta para pais e educadores: manter jovens e crianças informados sobre os males que o uso de drogas pode causar é crucial para evitar que casos como esse se repitam. O aviso é dado não só por entidades especializadas em todo o mundo, mas também por profissionais das áreas médica e educacional.

"É necessário que, antes de tudo, se respeite a inteligência de crianças e adolescentes, que hoje em dia têm acesso praticamente ilimitado a informações de todos os tipos e que, portanto, estão cientes dos males que as drogas trazem", afirma a psicóloga Edna Assunção. "Não se pode inventar histórias absurdas sobre o assunto. Deve-se priorizar sempre a verdade. Crianças e jovens têm total capacidade de assimilar fatos e tirar suas próprias conclusões".

Para Edna, esse acesso amplo a notícias pode ser um aliado de professores em sala de aula, quando o assunto é prevenção às drogas. Utilizar reportagens de jornais e revistas em grupos de discussão com alunos costuma surtir efeitos positivos, além de servir como objeto de discussão também dentro de casa, com pais e outros membros da família. "O diálogo com pais e professores serve também para alertar os alunos em relação ao comportamento dos próprios colegas, ajudando a detectar possíveis usuários na escola", explica a psicóloga.
Foto: Reprodução Internet
Foto: Reprodução Internet

Uma pesquisa realizada pela Secretaria Nacional Antidrogas (Senad) e pelo Centro Brasileiro de Informações sobre Drogas Psicotrópicas (Cebrid), da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), constatou que o álcool e o tabaco são os principals vícios dos alunos do ensino fundamental (a partir da quinta série) e médio nas escolas públicas de todo o país.

O estudo também aponta que um quarto dos estudantes brasileiros com idades entre 10 e 18 anos já provou algum tipo de droga ilegal. Os fatores que levam o jovem a tomar tal decisão são variadas e vão desde a simples curiosidade, passando pela transgressão, chegando à autoafirmação e até mesmo a conquista de status entre os colegas.

A realidade de jovens drogados nas escolas

Segundo Edna, uma das maneiras mais eficazes de abordagem do assunto na escola é a interdisciplinaridade. Trazer o tema para que seja discutido sob óticas diferentes, em diversas disciplinas, faz com que o assunto seja assimilado de maneira muito mais eficaz do que discuti-lo de forma isolada. Mas os próprios professores precisam estar preparados para sanar as dúvidas dos alunos e identificar possíveis usuários.

O assunto ganhou tanta importäncia em todo país que o Ministério da Educação (MEC) e a Secretaria Nacional de Políticas sobre Drogas (Senad) lançaram, em 2004, um curso a distância para a preparação de docentes no combate às drogas nas escolas públicas. No primeiro ano, o curso teve a participação de cinco mil educadores de todas as regiões do país; em 2006, a formação atendeu 20 mil educadores; e em 2009, 25 mil.

A realidade de jovens drogados é cada vez pior, principalmente dentro do ambiente escolar. As mudanças comportamentais típicas da adolescência, com todas as suas descobertas e fragilidades, são um prato cheio para que o jovem eleja a drogas como uma válvula de escape para seus conflitos, sejam eles internos ou de convivência, principalmente com os pais", explica o psiquiatra Alessandro Oliveira, que tem, entre seus pacientes, alguns jovens usuários de drogas.

Edna explica que, ao professor cabe tratar do assunto em um contexto mais amplo, discutindo o projeto de vida dos alunos, seus anseios e suas escolhas para o futuro. Questionar os alunos quanto ao que pode beneficiar e atrapalhar suas escolhas, fazendo-os refletir sobre o melhor caminho a ser tomado também são bons exemplos. A psicóloga alerta professores e orientadores a não transformar a droga em uma espécie de bicho papão e sim mostrar que, em um primeiro momento, ela causa bem-estar. E que só depois é que os usuários sentirão os prejuízos causados por sua ingestão.

De acordo com Alessandro Oliveira, a grande maioria dos usuários de drogas começa experimentando bebidas alcoólicas. Dali, seguem para a maconha, mas não chegam a desenvolver o vício. O grande problema são aqueles jovens que não conseguem parar e passam a utilizar drogas cada vez amais pesadas, como a cocaína e o crack, que vem se tornando muito comum entre adolescentes de diversas classes sociais. Muitos desses jovens têm pais ausentes ou separados, e que não estão preparados para abordar o assunto em casa, delegando à escola esta tarefa, que deve ser conjunta.

"Antes de tudo, é preciso que os pais e também os professores realmente se envolvam nas atividades cotidianas da criança e do jovem. Só assim, dialogando e convivendo, eles conquistarão sua confiança e poderão influenciar mais em suas decisões", finaliza Oliveira.

‘É melhor que shopping center’

Entrevista com Ivete Miloski, coordenadora da Biblioteca-Parque de Manguinhos
FONTE - O DIA
POR MARIA LUISA BARROS

Rio - À frente da primeira biblioteca-parque do Brasil, em Manguinhos, Zona Norte, a produtora de eventos Ivete Miloski, 58 anos, tem o desafio de promover inclusão social em região com 17 comunidades e 100 mil moradores. Inspirada na experiência da cidade colombiana de Medellín, que investe em equipamentos culturais para reduzir a criminalidade, a biblioteca carioca ocupa 3.300 m² de antigo depósito do Exército. Tem em seu acervo 25 mil livros, 800 filmes e 3 milhões de músicas e em breve oferecerá um cineteatro. Tudo gratuito. Em um ano de funcionamento, coleciona também boas histórias, como de traficante que retirou romance e devolveu o livro no prazo e em perfeito estado.

O DIA: É a primeira vez que um complexo de favelas ganha uma biblioteca multimídia no padrão dos melhores centros culturais da cidade. Como os moradores receberam esse espaço?

IVETE: No início, liberamos todo tipo de acesso aos computadores para observar o que eles buscavam na rede. Em uma semana, os usuários, a maioria formada por adolescentes, danificaram todos os aparelhos. Eles baixaram programas piratas e conteúdos pornográficos. A rede não suportou.

E o que vocês fizeram?

Passamos a controlar o acesso, filtrando as páginas. Ficamos uns dias sem computadores, que foram para o conserto. Os garotos iam de mesa em mesa, tentando ligá-los, sem sucesso. E a gente na torcida para que eles se aproximassem dos livros. Aos poucos, eles pararam nas estantes e descobriram os exemplares. Eles são curiosos. Se você amplia o cardápio, eles se interessam. Dizer que pobre não gosta de cultura é puro preconceito. Eles têm muita fome de conhecimento. Alguns gostam tanto das obras que nem devolvem. Tem pessoas que chegam de manhã e só saem quando fecha. Teve uma menina que gostou tanto do livro ‘Mururu no Amazonas’, que transcreveu à mão as 82 páginas do exemplar para tê-lo em casa.

Quais são os títulos preferidos pelos usuários?

Os jovens gostam muito de filmes de comédia, de ação e de séries brasileiras. Eles levam vídeos do ‘Tropa de Elite’ e ‘Cidade de Deus’, que retratam a realidade deles. As mulheres preferem romance e filmes de época. No acervo de livros, os mais emprestados são ‘Harry Potter’, Sidney Sheldon, Stephen King e Nora Roberts. Os meninos levam a coleção do ‘Senhor dos Anéis’, ‘Crepúsculo’, e as meninas pegam todos os livros da Thalita Rebouças. Em apenas cinco meses, já temos 2.356 cadastrados e 10 mil livros emprestados desde a abertura, em abril.

As pessoas conservam as obras e respeitam os prazos de devolução?

Na primeira semana, os DVDs vinham danificados, com capas rasgadas. Chamamos as pessoas para conversar e pedimos que comprassem outro original para o acervo. O mais difícil é manter os banheiros limpos. Tem crianças que não sabiam o que era descarga porque moram em casas sem luz ou água encanada. Coisas básicas para nós são novas para eles. Agora estão mais conscientes. Já incorporaram que isso tudo aqui é deles. Os próprios usuários pedem que se fale mais baixo.

As famílias também frequentam a biblioteca?

Crianças e jovens atraem os pais e avós. As mães gostam muito de livros de receitas, que é uma fonte de renda para as famílias. Os universitários têm laptops à disposição para estudos. E os pequenos têm uma brinquedoteca com computadores só para eles. Aos sábados, há cursos de alfabetização digital. Eles têm aqui como a segunda casa.

A senhora sentiu redução na criminalidade, como aconteceu na Colômbia depois da implantação das bibliotecas?

Quando a comunidade ocupa o seu espaço, a violência diminui. Não vemos ninguém armado, mendigos, usuários de crack ou pichações na porta da biblioteca. Estamos fazendo uma revolução que vai atingir todas as famílias. Aqui é um lugar seguro, onde as pessoas se sentem bem. É muito melhor do que ir ao shopping center.

A senhora soube de algum jovem de Manguinhos que largou o tráfico atraído pelos livros?

Ainda não. Mas outro dia, um funcionário me contou que um traficante veio no turno da noite. Não aparentava estar armado. Deu boa-noite e pediu sugestão de livros de suspense. Depois pediu outro título de romance para a esposa. Agradeceu e foi embora. Quando terminaram os 15 dias de prazo, trouxe o livro. É um começo.

CLIP - Para aqueles professores de antes de 1970

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