domingo, 3 de outubro de 2010

Cresce número de casos de violência e negligência contra filhos por parte de pais viciados em crack

Publicada em 02/10/2010 às 20h04m - O Globo


RIO - Enquanto os pais já consumidos pelo crack se autodestroem, o vício também faz seus filhos sofrerem. No Rio, segundo conselheiros tutelares e profissionais que trabalham com os direitos da criança e do adolescente, cresce o número de casos de violência familiar em que a droga tem papel de destaque, como mostra reportagem de Waleska Borges, publicada na edição deste domingo do GLOBO . Menores são negligenciados e abandonados por seus responsáveis, que pensam apenas na próxima pedra. São histórias dramáticas, ocorridas não só nas classes baixas, como também entre pessoas com boa situação econômica, e que mostram o efeito devastador do vício que se espalha pela cidade.

O crack tirou da adolescente Y., de 16 anos, o seu primeiro filho: aos 14, ela abandonou o bebê para ficar na rua. Usuária da droga desde os 9 anos, Y. - que cumpre medida socioeducativa num abrigo da prefeitura - teme agora pela saúde da filha, que tem menos de 1 mês de vida. A criança nasceu com problema de visão e a mãe acredita que seja resultado do seu vício. Até o sétimo mês de gravidez, a adolescente, que se prostituía para conseguir crack e não sabe quem é o pai da sua filha, viveu nas ruas:

- Antes, não pensava em nada. Só queria saber de crack. Odiava estar grávida. Batia com a minha barriga na parede e dava socos nela.

Jovem costumava se prostituir por R$ 5
X., de 17 anos, também internada num abrigo da prefeitura, conta que satisfazia o vício furtando e se prostituindo, até por R$ 5, mesmo grávida:

- Perdi meu primeiro filho, que na época tinha 1 mês, para a adoção.

Agora, ela, que é mãe de outro bebê, de 2 meses, tenta se afastar do vício, mas teme uma recaída.

- Quero que minha filha seja meu único vício - diz a adolescente.

Conselheiro tutelar do Centro, Juarez Marçal diz que, hoje, metade dos seus atendimentos em casos de negligência e abandono de crianças se deve ao uso do crack pelos pais:

- A situação é complexa e não atinge apenas os menos favorecidos.

De acordo com o quinto censo da população infanto-juvenil abrigada no estado, divulgado em junho pelo Ministério Público, 144 crianças e adolescentes estão acolhidos porque têm pais ou responsáveis dependentes químicos ou de álcool. Desse total, há 60 ações de destituição do poder familiar. Segundo o promotor de Justiça da Coordenadoria do Centro de Apoio às Promotorias da Infância e Juventude do Estado do Rio, Rodrigo Medina, o crack é a droga mais usadas por esses pais. Os casos de responsáveis dependentes químicos são a sexta causa de acolhimentos de menores no estado. Em 2008, eram a oitava.

Crianças são acolhidas por outras famílias
Com os olhos verdes e brilhantes, R., de 5 anos, responde rápido quando é perguntado do que mais gosta na casa nova: a comida. O menino e a irmã, V., de 7 anos, estão numa nova residência, dentro do programa Família Acolhedora, da Secretaria municipal de Assistência Social. O objetivo do projeto é atender crianças e adolescentes em situação de risco, que ficam com outra família por um determinado período. No caso de R. e V., os dois foram retirados de casa, numa favela na Zona Norte, porque os pais são viciados em crack.

A funcionária pública Maria Aparecida Horácio de Faria, de 49 anos, "mãe acolhedora" das crianças, diz que elas chegaram sem limites. Hoje, já aprenderam algumas regras, como lavar as mãos antes das refeições. Maria é casada e tem filhos já adultos

Segundo Raquel Aguiar, coordenadora do Família Acolhedora, atualmente dez crianças estão no programa porque os pais são usuários de crack.

- Os filhos dos usuários de crack que estão no programa têm comportamento agressivo e hábitos estranhos. Uma das crianças só andava para trás. Dizia que era assim que o pai fazia quando estava doidão - conta Raquel.

De acordo com o secretário de Assistência Social, Fernando William, os resultados do Família Acolhedora têm sido positivos. Um levantamento da secretaria mostra que, em 82% dos casos, há reintegração familiar.

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