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GUILHERME GENESTRETI
DE SÃO PAULO
Quando a família do engenheiro Ricardo Pimentel se reúne para jantar não é raro que seu filho único, adolescente, solte um sonoro "filho da p..." no meio da conversa.
R., 15, não é rebelde nem mal educado: é portador de Tourette, síndrome neurológica que faz a pessoa emitir sons (às vezes, palavrões) de forma involuntária e desenvolver tiques motores.
Aos quatro anos, o menino dava pulinhos, ficava piscando os olhos e girando no chão. Instigado, o pai desconfiou de algo errado e o levou a um neurologista, que fez o diagnóstico. Isso é raro.
Os sinais da síndrome começam a ser percebidos por volta dos seis anos. Em muitos casos, a doença permanece na fase adulta.
"A pessoa não escolhe o que fala ou o como gesticula. Acontece sem ela querer", explica a psiquiatra Roseli Shavitt, coordenadora do Protoc, grupo ligado ao Hospital das Clínicas de São Paulo, que estuda os transtornos obsessivo-compulsivos.
O transtorno é desconhecido até no meio médico, diz Shavitt. "É até fácil diagnosticar. O difícil é achar profissional habilitado."
Depois de ter frequentado cinco escolas, os pais de R. optaram por um ano só de "atividades extracurriculares" para o menino: música, italiano, natação, cursos de raciocínio e até de modelo.
Isso porque R. sofreu "bullying" muitas vezes, segundo o pai. Era chamado de "agitadão" e se isolava.
"Inclusão é uma palavra bonita, mas na prática é pouco usada", diz Pimentel, 51.
Hoje, o adolescente toma remédios para atenuar os sintomas e vai a sessões de psicoterapia para aprender a lidar com os tiques motores.
Moacyr Lopes Junior/Folhapress | ||
Jeferson Soares já havia procurado ajuda de psiquiatras, mas só se descobriu portador de Tourette há dois anos |
'BOA NOITE'
Jeferson Soares, 33, que trabalha em um pet shop, só se descobriu portador dois anos atrás, depois de ser levado por um amigo a um psiquiatra de posto de saúde.
Desde pequeno ele contorcia muito os braços e tinha soluços constantes. Chegou se consultar com psiquiatras ainda na infância, mas não houve diagnóstico: "Falavam que era uma fase, ia passar, mas nunca passava."
Hoje, Soares toma remédios --incluindo antipsicóticos-- que atenuam os tiques.
Ainda assim, diz ele, de vez em quando repete muitas vezes as palavras que ouve na TV, principalmente o "boa noite" dos telejornais.
Soares conta que seus colegas de escola estranhavam os barulhos que ele fazia com a garganta e seu hábito de ficar torcendo o braço.
"No começo, pensavam que eu era louco. Meus pais até brigavam comigo porque não sabiam o que eu tinha."
Editoria de Arte / Folhapress/Editoria de Arte / Folhapress | ||
'PISCA-PISCA'
O corretor de imóveis Oscarlino Domingues, 54, também passou por agruras na infância. Foi apelidado de "pisca-pisca", por causa do tique. Só descobriu o problema na maturidade, aos 44.
Domingues lembra que seus impulsos --piscar, repetir palavras etc.-- ficaram mais fortes na adolescência, com a separação dos pais.
"Eu ficava repetindo a mesma oração quando rezava. Sentia necessidade de ficar repetindo. E só piorava quando estava nervoso."
A ansiedade potencializa os impulsos: "A descarga de adrenalina piora os tiques", diz a psiquiatra Ana Gabriela Hounie, do HC.
Ela explica que histórias de "bullying" são recorrentes em crianças com Tourette.
"Os movimentos estranhos chamam a atenção, aí são colocados os apelidos. No fim, a pessoa busca ajuda por se sentir discriminada."
Se os tiques doem ou prejudicam a atenção, os médicos podem indicar tratamento com remédios.
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