Por Rafael Parente*, especial para o Blog Favela Livre
O município do Rio de Janeiro tem 1.064 escolas, além de 442 creches e espaços de desenvolvimento infantil. Aproximadamente 20% dessas escolas estão em territórios controlados por traficantes, milícias ou recentemente pacificados, o que vai de encontro ao mito de que não havia qualquer tipo de presença do Estado nessas favelas.
A realidade nessas escolas e comunidades é extremamente dura para alunos, professores e diretores. A violência rotineira alimenta o medo e inibe a alegria, a concentração e a criatividade. Alunos desenvolvem bloqueios cognitivos. É difícil encontrar professores que desejam ou aceitam trabalhar nesses locais. Unidades são fechadas em dias letivos para a realização de eventos como churrascos e “bailes funk”. Alguns terrenos são invadidos por construções não relacionadas à educação pública. Crianças bem pequenas ilustram em seus primeiros rabiscos armas, sangue e crimes terríveis, como um desenho que mostrava um carro puxando uma pessoa arrastada por uma corda. A nossa visita a essas instituições precisa ser avisada ou até mesmo negociada. Eu e outros funcionários da Secretaria de Educação vamos em carros da prefeitura, com vidros abaixados, parando algumas vezes para conversar com jovens armados, para identificação e para avisar onde estamos indo. Esses jovens armados são, não raramente, ex-alunos da escola.
Esse contexto impacta negativamente o desempenho acadêmico: taxas de reprovação, IDEBs e notas em provas tendem a ser 20 a 30% piores nesse grupo de escolas. Para tentar reverter essa situação, a secretária de Educação, Claudia Costin, e o prefeito Eduardo Paes criaram o programa estratégico Escolas do Amanhã, que atende 151 escolas situadas em áreas conflagradas ou que atendem crianças e jovens que moram nessas áreas. O programa é uma política de intervenção que inclui um conjunto de ações não só no campo educacional, mas também cultural, de esportes, assistência social e saúde. O Escolas do Amanhã é sustentado pelos seguintes pilares: reforço escolar; horário estendido, com mais atividades diárias dentro da escola ou em locais seguros do bairro (relacionado à ideia de um bairro educador); fortalecimento do vínculo com as famílias e com a comunidade; metodologia diferenciada do ensino de ciências, com um mini-laboratório de ciências em cada sala de aula; e promoção da saúde, com médicos, psicólogos e dentistas.
Os primeiros resultados têm sido bem positivos. Durante o ano de 2009, enquanto 22% de todas as escolas da rede conseguiram atingir uma ambiciosa meta de melhoria da aprendizagem, um número consideravelmente maior de 35% das Escolas do Amanhã o conseguiram. Os dados também indicam que o gap entre notas de alunos das Escolas do Amanhã e das outras escolas da rede tem diminuído. Nas áreas pacificadas pelas forças de segurança, percebemos o aumento da presença de alunos e professores, da atenção e motivação dos alunos e a enorme maioria dos jovens abandona a vontade de ser traficante, passando a expressar o desejo de se tornar jogadores de futebol, policiais ou cientistas.
No entanto, além de planejar e implementar medidas para a cura dos doentes, é importante ir além e agir na prevenção da doença. Aqui, também, a instituição Escola pode vir a exercer um papel fundamental, já que a raiz da violência (não só aquela relacionada à guerra ao tráfico, mas todos os tipos de violências físicas ou psicológicas) está na crise de valores. Enquanto não tivermos uma educação de qualidade e para valores, tampouco teremos uma “sociedade justa, livre e solidária” ou uma educação “inspirada nos princípios de liberdade e nos ideais da solidariedade humana”, que desenvolva plenamente o educando e o prepare para a cidadania e para o trabalho.
Esse é um grande desafio, do qual nós, educadores, não podemos nos esquivar. “Se queremos transmitir valores às novas gerações, não devemos nos limitar à dimensão dos conteúdos intelectuais, transmitidos através da docência. Devemos ir além. Os valores devem ser, mais do que transmitidos, vividos, através de práticas educativas e no curso dos acontecimentos. Como educadores, precisamos nos fazer presentes na vida dos educandos, de forma construtiva, emancipadora e solidária.” Precisamos criar espaços e oportunidades para que possamos levar nossas crianças e jovens a “identificar, interiorizar e vivenciar valores positivos” aos quais a sociedade aspira. Assim, quando os jovens e cidadãos cariocas aprenderem a fundamentar suas ações e opções em valores positivos, certamente teremos uma cidade ainda mais maravilhosa e com muito menos violência.
*Rafael Parente é subsecretário de Educação do município do Rio de Janeiro
Saiba mais sobre o projeto Escolas do Amanhã
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