quarta-feira, 5 de outubro de 2011

O mito da perfeição

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O mito da perfeição:
Narciso e a busca eterna da perfeição
Deixe em paz meu coração
Que ele é um pote até aqui de mágoa
E qualquer desatenção, faça não
Pode ser a gota d'água
Pode ser a gota d'água
Pode ser a gota d'água...
[Gota d'água, música de Chico Buarque]
O erro zero, a pessoa infalível, o funcionário ideal, a beleza intocável, a perfeição em forma de gente. Você conhece alguém assim? É pouco provável que a resposta seja afirmativa. Temos uma tendência a buscar até mesmo nas pessoas mais corretas e zelosas do mundo os seus pontos falhos. E normalmente os achamos. Ainda assim há aqueles que tentam a todo o custo atingir um nível tão elevado de acertos que consiga se situar próximo da perfeição.


Numa sociedade como a nossa, em que a produtividade é uma meta permanente, o índice de erros tem que ser o menor possível, de preferência, que seja zero. A tolerância das pessoas em relação a qualquer movimento que não seja aquele da eficácia total tende a ser igualmente zero. Com isso criamos situações de intolerância e de desgaste nas relações humanas. 


O nível de cobrança passa a ser muito alto. As pessoas começam então a se cobrar, elas próprias, de forma intensa, que sua performance seja a melhor possível. Não há trégua para quem não atinge as metas. Tornam-se, desde os primeiros erros, a serem identificados como perdedores. A desconfiança passa a rondar seu dia a dia. Em casa, no trabalho, na rua, onde estejam, de algum modo precisam demonstrar total segurança e condição de vitórias.


Quem aguenta isso? É como uma panela de pressão, exposta a altas temperaturas e sem válvula de escape, ou então com este dispositivo travado, acaba estourando, explodindo, sujando tudo, criando uma situação de caos, conturbação, descontrole.


As válvulas de escape humanas são escassas neste cotidiano acelerado. As pessoas não conseguem contar nem mesmo com seus mais próximos pares, como os familiares e os amigos, por exemplo. Recorrem então a outros elementos, da oração a remédios, da terapia a grupos de apoio, da fuga do cotidiano a entrada de cabeça no mundo virtual... As alternativas são válidas? Em determinados casos procedem, é claro, especialmente com o acompanhamento de profissionais da saúde, mas não se aplicam a todas as pessoas, na realidade a maioria conseguiria melhorar de situação apenas se contassem de forma mais corriqueira com o apoio das pessoas próximas.


Quando perceber que a gota derradeira que irá fazer com que transborde o seu vaso está próxima não hesite em pedir ajuda. Pare, conte até 10, busque uma pessoa próxima de sua confiança, extravase, relaxe o corpo, deixe as lágrimas rolarem. O mito da perfeição não pode nos levar a loucura, a uma insana busca por realizações tão maravilhosas que fogem a própria condição humana.
Somos imperfeitos, fadados ao erro em tantas oportunidades e, é claro, capazes de aprender com nossas falhas e resultados negativos. 


Encarávamos estas situações com maior naturalidade antes desta espiral produtiva relacionada a globalização. Hoje não dormimos por conta de compromissos pessoais e profissionais assumidos. Não temos tempo para ver os amigos. O que gostamos de fazer está nos últimos lugares na nossa lista de prioridades. Muitas vezes nem ao menos percebemos o quanto nossos filhos estão crescendo...


Não é saudosismo. O que vivemos no passado foi ótimo, bom, satisfatório ou ruim, dependendo de pessoa para pessoa, mas não podemos deixar de perceber que a carga era mais apropriada aos nossos corpos, tamanhos e condicões físicas gerais (além das mentais, emocionais, psíquicas). Hoje queremos sempre carregar mais peso e acabamos estourando nossa musculatura, indo parar no departamento médico, tendo que parar porque nossos corpos chegaram no limite mesmo.


Não quero e nem tenho a pretensão de ser perfeito. Tal fardo não cabe para mim, para minha esposa, meus filhos, meus colegas de trabalho, amigos, demais familiares... Não pertence a ninguém! Temos que gritar, proclamar nossa independência, abrir mão da correria e dos afazeres para que cuidemos de nós mesmos e daqueles que nos são caros. Já pensou nisso? Ou ainda quer ser perfeito? A opção é sua!


Obs. Quando sentir que a corda está prestes a estourar faça exercícios, escute música, vá ao cinema, leia livros, passeie pelo parque, passe o final de semana na praia ou na montanha, pare e tome um sorvete, faça suas refeições com calma, receba os amigos no final de semana para um churrasco, comemore suas pequenas vitórias cotidianas, ande de bicicleta, abrace seus filhos, beije apaixonadamente o amor de sua vida, faça suas orações diariamente... Permita-se!


Por João Luís de Almeida Machado
Membro da Academia Caçapavense de Letras

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