quarta-feira, 12 de janeiro de 2011

Como melhorar a educação brasileira - Parte 1

Como melhorar a educação brasileira - Parte 1
 

FONTE: Veja, 10/11/2010

Gustavo Ioschpe*

Bismarck dizia que nunca se mente tanto como em véspera de eleição, durante a guerra e depois da caça.

No que tange às eleições, espero que esteja certo, porque naquela que me parece a área mais nevrálgica para o desenvolvimento futuro do Brasil – a educação – é melhor que aquilo que foi prometido durante essa campanha presidencial seja apenas retórica eleitoreira. Pois todos os candidatos se aferraram a um discurso quantitativo já superado (mais escolas, mais vagas, mais dinheiro etc.) e evitaram a discussão que importa: como melhorar significativamente a qualidade da educação de nossas escolas.

O que fazer para que o Brasil evolua com a magnitude e a rapidez necessárias? Para este colunista, o caminho está na junção de três fatores: práticas de sala de aula, formação dos professores e administração escolar. Neste artigo, falo da primeira ponta do tripé.

Mesmo com o baixo nível de formação de nossos professores e diretores escolares, há uma série de medidas que podem ser aplicadas hoje mesmo, em qualquer sala de aula, que tendem a melhorar significativamente o desempenho do alunado.

Antes, uma nota conceitual. Quando se fala aqui de melhorar o desempenho do aluno, o que se está procurando é o aprendizado, medido por meio de testes como Saeb, Prova Brasil, Pisa, TIMSS e outros, do Brasil e do exterior. A base para as recomendações que vão a seguir é a literatura empírica sobre o tema, publicada em revistas acadêmicas, em que os dados são tratados com rigor estatístico. Ou seja, não são teorias nem as opiniões e hipóteses deste colunista, mas sim fruto de medição.

Se tivesse de resumir toda essa literatura – centenas de estudos, de vários países e anos – em uma regra de ouro, diria: o tempo de contato entre o aluno e o professor é muito valioso e escasso, e deve ser usado apenas para atividades educacionais. Tudo aquilo que pode ser feito fora da sala de aula deve ser feito fora da sala de aula.

A primeira prática de um professor efetivo é, portanto, o uso eficiente do tempo de aula. Muitos professores chegam atrasados a suas salas. Perdem tempo fazendo chamada, dando recados e advertências. É um desperdício. O mais grave ocorre depois. Para muitos dos nossos professores, “aula” significa encher o quadro-negro de matéria e pedir aos alunos que a copiem, depois passar exercícios e pedir-lhes que os resolvam, e finalmente, se sobrar tempo, tirar uma dúvida ou outra. É um erro. Copiar texto é algo que pode ser feito em casa, então deve ser feito em casa. Exercícios, se são feitos pelo aluno individualmente, também. O tempo de sala de aula deveria servir para que professores e alunos conversassem sobre o texto que foi lido em casa e os exercícios feitos em casa.

A segunda prática virtuosa, portanto, é o dever de casa. As pesquisas mostram que alunos que têm de fazer dever de casa mais frequentemente aprendem mais, especialmente a partir da quarta série. Um estudo feito em Minas Gerais mostrou que alunos de professores que prescrevem e corrigem o dever de casa aprendem mais do que aqueles cujos professores simplesmente o prescrevem. E alunos de professores que, ao corrigir o dever, comentam e explicam os erros e acertos aprendem mais do que aqueles cujos professores apenas marcam o “certo” ou “errado”.

Relacionado ao dever de casa também está o tema dos exercícios em sala de aula: são contraproducentes. Subtraem tempo de aula para algo que o aluno pode fazer em casa.

Também na mesma lógica está a questão das provas: alunos que são testados com maior frequência aprendem mais. Faz sentido: quanto mais provas, mais o aluno tem de estudar. Quanto mais estuda, mais aprende.

Outro dado importante da pesquisa: bom material didático ajuda. Um bom livro didático, por exemplo, organiza e estrutura a prática de sala de aula. Uma das demandas do professorado brasileiro é por autonomia. Cada professor se sente no direito de reinventar a roda e criar seu próprio currículo e método de ensino. Na maioria dos casos, e especialmente quando a qualificação do profissional é baixa, é receita para o insucesso.

Um aspecto importante para determinar aquilo que o professor faz em sala de aula é quanto ele sabe sobre o que está fazendo/falando. No Brasil, há uma ênfase muito forte na diplomação universitária dos professores de ensino básico. É uma percepção acertada, já que a pesquisa sugere que professores com ensino superior obtêm melhores resultados (o mesmo não se verifica, curiosamente, com os níveis pós-superiores, como mestrado e doutorado, que se mostram irrelevantes para o aprendizado no ensino básico). Porém, o diabo está nos detalhes: mais importante do que obter o canudo é ter se formado na área em que vai ensinar. A pesquisa mostra que o salto do aprendizado se dá quando o professor cursou faculdade da disciplina que ele ensina. Um professor formado em matemática dará uma aula de matemática melhor do que outro formado em pedagogia ou história.

A maioria das pessoas acredita também que o tempo de atenção dado a cada aluno é fator importante para o aprendizado, por isso tende a querer salas de aula menores ou mais de um professor por sala. A pesquisa não sugere que essas medidas tragam resultados. É melhor ter um professor ótimo dando aula para 35 alunos do que dois medianos ensinando em turmas de 18.

Outro erro comum que cometemos é acreditar que a tecnologia e a infraestrutura são fatores determinantes para o aprendizado. Costumo ouvir, depois de palestras, as reclamações dos nossos professores de que são forçados ainda a conviver com “cuspe e giz” na era da internet. Felizmente para eles, cuspe e giz não estão obsoletos, porque são apenas mecanismos de expressão de uma tecnologia ainda sem par: o cérebro humano. A pesquisa indica que dar a infraestrutura básica – quadro-negro, cadeira e carteira para todo aluno, prédio protegido das intempéries do clima e com energia elétrica – melhora muito o desempenho do aluno. Mas, depois disso, as adições físicas não têm efeito. Inclusive a presença de computadores na escola, o que é deveras surpreendente. Depois do básico, o resto é por conta do professor.

Se você é daqueles que gostariam de melhorar a qualidade da nossa educação, mas não sabe como, um bom começo é instar a escola de seus filhos ou do seu bairro a seguir essas práticas simples e eficazes. Não nos transformarão, em um piscar de olhos, numa Finlândia ou Coreia do Sul. Mas são um bom começo.

* Gustavo Ioschpe é economista

 

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