sábado, 10 de setembro de 2011

Como tornar a música na escola uma realidade?

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Como tornar a música na escola uma realidade?:

Entre a falta de profissionais, estrutura e incertezas sobre a aplicação, escolas tentam efetivar lei que estabelece a obrigatoriedade do ensino de música no Brasil


 


Entre à falta de profissionais, estrutura e incertezas sobre a aplicação, escolas tentam efetivar lei 11.769Em 2008, entrou em vigor a lei 11.769, que estabelece a obrigatoriedade do ensino de música no Brasil. O prazo para que as escolas se adaptem às exigências termina este ano. No Ceará, a falta de profissionais e de estrutura física são alguns dos desafios para que a música se torne parte do currículo.


A lei coloca que “a música deverá ser conteúdo obrigatório, mas não exclusivo” do ensino de artes. A ideia não é formar musicistas, mas despertar habilidades como coordenação motora, disciplina e sensibilidade artística. Mas a queixa entre educadores e secretarias deEducação é que a lei foi estabelecida num prazo aleatório e sem levar em conta o cenário nacional.


Segundo Arlindo Araújo, coordenador do Ensino Fundamental e Médio da Secretaria Municipal de Educação (SME), no último concurso a ideia era abrir 260 vagas para professores de arte, mas apenas 68 vagas foram ofertadas no edital. “As agências de formação não fornecem profissionais suficientes. Hoje, dos nossos 170 professores de arte, 32 possuem formação específica em música”.


A alternativa encontrada foi trabalhar com graduandos em música, por meio de oficinas de musicalização. O coordenador ressalta o investimento de R$362 mil da SME na compra de instrumentos para as 280 escolas de Ensino Fundamental, além da aquisição de 263 bandas de fanfarra, cuja contrapartida municipal foi de cerca de R$ 880 mil.


“Mas ainda temos outras questões. As escolas não possuem estrutura para ofertar as aulas, como salas com tratamento acústico, e o barulho acaba interferindo nas outras atividades”, reconhece.


 


Formação específica


Fortaleza possui atualmente duas Licenciaturas (para formação de professores) e um curso técnico em Música, mas o número de graduados ainda é insuficiente para atender à demanda aberta pela lei. Tal carência fez com que o artigo da lei que limitava o ensino aos profissionais com formação específica fosse vetado.


O curso da Universidade Estadual do Ceará (Uece), aberto em 1975, forma uma média de 12 alunos por semestre. Já a licenciatura da Universidade Federal do Ceará (UFC), que funciona há cinco anos, atualmente forma uma média de 12 profissionais por ano, já que o pequeno número de professores do curso limita a formação de turmas semestrais.


“Há uma certa razão das escolas, mas na prática há pouca valorização das artes no currículo. Não adianta formar 30 profissionais por ano se as escolas não oferecerem bons salários e condições de trabalho”, pondera Gerardo Silveira Júnior coordenador do curso de Música da UFC.


 


Aplicação


Outro problema são as disparidades na utilização da música em sala de aula, que pode ir do ensino de música e teoria musical no contra-turno ao uso de canções como suporte para aulas de Português ou História.


O presidente do Sindicato das Escolas Particulares do Estado (Sinepe), Airton Oliveira, afirma que a música está inserida na maioria das escolas privadas cearenses e em todas as unidades de Fortaleza. Mas como não é uma disciplina, cada escola tem a liberdade de traçar como a música será inserida no projeto pedagógico.


“Em 2010 fizemos uma pesquisa junto a 400 escolas privadas, e em 8% delas havia professores de música, o que já esperávamos. Algumas escolas já contratavam professores de música por períodos sazonais, e outras aproveitavam profissionais de outros áreas com habilidade em música”, comenta.


 


Inserção


8% das escolas particulares cearenses têm professores de música, segundo pesquisa do Sinepe. Algumas contratavam sazonalmente ou aproveitavam quem tinha habilidade musical.


 


CAIC incentiva aptidão musical


Enquanto a aula não começa, uma babel de sons saem das salas de música do CAIC Maria Felício Lopes, no bairro Castelo Encantado. “Atenção, silêncio! Todos na postura e sem encostar na cadeira!”, irrompe o professor para começar a aula. Logo a inclinação à bagunça típica da idade dá lugar a meninos e meninas prontos para tocar.


O professor de música Roberto Xavier, hoje com 31 anos, um dia sentou naquelas cadeiras e deu seus primeiros acordes. Em 1998, quando começaram as aulas de violão, violino, flauta e violoncelo, ele foi um dos primeiros a participar. “Quem vive aqui sabe que as perspectivas são limitadas, e tudo o que eu sou hoje devo a estas aulas que tive na escola”.


Paulo Cléber, que de professor passou a colega de Roberto, diz que a ideia é que os alunos descubram a aptidão no decorrer das aulas, e que os valores aprendidos na música se estendam a outras esferas da vida. “Outro dia encontrei um ex-aluno, que hoje é mecânico, e diz que lembra com carinho das aulas”, conta.


Cerca de 80 alunos entre oito e 18 anos participam hoje do projeto. A diretora, Greoleide Alves, diz que a música tem um impacto significativo na diminuição da infrequência e da evasão escolar, que hoje é de apenas 2%. Quatro professores ministram as aulas, mas apenas Roberto é servidor efetivo.


Segundo a Secretaria da Educação (Seduc), desde 2009 o projeto Música na Escola fez a aquisição de 4.608 instrumentos musicais para 50 escolas estaduais. A ideia é melhorar a qualidade do ensino da linguagem musical na disciplina de Arte. Já o projeto Alvorada equipou mais 50 escolas com bandas de fanfarra. A Seduc não informou os valores investidos.


 


250 PROJETOS DE LEI


Inclusão de matérias em debate


Xadrez, direito do consumidor, Educação ambiental, empreendedorismo e até cultura de paz. Se depender dos projetos de lei e pedidos de inclusão dos deputados federais, estas matérias passarão a figurar no currículo escolar. Assim como a música, disciplinas como Filosofia e Sociologia foram incluídas a partir de projetos do Legislativo. Mas até que ponto tais iniciativas são benéficas para a Educação?


Segundo pesquisa da ONG Ação Educativa, existem mais de 250 proposições no Congresso Nacional para inclusão de disciplinas na grade curricular. O presidente do Sinepe, Airton Oliveira, que também é diretor de escola, vê este volume de iniciativas com preocupação.


“Existe aí uma certa ansiedade em massificar toda forma de conteúdo, como se a escola tivesse que dar conta de todas as esferas da vida de um indivíduo. Sou a favor do ensino generalista na Educação básica, em que se priorize a língua portuguesa, a compreensão de textos, a matemática e as ciências, ofertando conteúdo com qualidade e na idade certa”, opina.


Professor da Faculdade de Educação da UFC, Idevaldo Bodião analisa que alguns desses projetos trazem sugestões interessantes, enquanto há os que confundem disciplina com outros tipos de atividade escolar. “O que me preocupa nesta onda de projetos é que eles dão a impressão de que o básico está resolvido, e não está”, ressalta.


De acordo com Bodião, apesar de o Brasil ter conseguido universalizar o acesso à Educaçãobásica, a escola não se adaptou à realidade dos estudantes, oriundos de famílias com pouco ou nenhum contato com livros, informação, cultura e lazer. “Adequar os currículos para esta realidade significa oferecer conteúdos com qualidade e senso crítico. E para isso é necessário fazer investimentos na área, cuja ampliação está sempre sendo adiada para o futuro”.


Sobre isso, Bodião destaca que atualmente o Brasil só investe 5% do Produto Interno Bruto (PIB) em Educação, e que o tempo de permanência do aluno na escola é um dos menores da América do Sul. “O aluno passa, em média, quatro horas na escola, isso contando com o recreio e a merenda. É muito pouco para o conteúdo básico, quanto mais essas novas disciplinas”.


 


A opinião do especialista - Para além do “virtuose”


Elvis de Azevedo Matos, músico e doutor em Educação


 


Após intensos esforços de setores organizados, dentre os quais se destaca a Associação Brasileira de Educação Musical (ABEM), foi sancionada em agosto de 2008 a lei número 11.769, que torna o conteúdo de música obrigatório nas disciplinas de Artes da EducaçãoBásica.


Desde o canto coletivo (orfeônico) implantado por Heitor Villa-Lobos no início dos anos 1930, muitas propostas para o ensino de música foram discutidas sem, contudo, lograrem um real espaço no currículo da Educação Básica Nacional.


Assistimos, a partir dos anos 1970, a um rápido arrefecimento das atividades musicais, que deixaram de ser “disciplina” e passaram a estar contempladas através das “atividades de arte”. Vivemos hoje um momento em que somos chamados a refletir sobre quais as possibilidades que a inserção das linguagens das artes, em especial da música, trazem para a Educação de nossas crianças e jovens.


É preciso que rapidamente consigamos, dentre os vários desafios que estão postos, ir além de uma Educação Musical pensada a partir de referenciais estranhos à nossa própria cultura, referenciais estes que são usados para justificar práticas pedagógicas ainda centradas no ideal romântico do virtuosismo.


Neste cenário, a presença da música no espaço escolar deve ser pensado como um momento de alfabetização estética, de busca pela expressão e interação sensível entre estudantes e professores.


A presença do músico-professor é essencial para a boa condução das atividades musicais e o envolvimento de todos os profissionais que atuam na escola, principalmente os pedagogos, é essencial para que surja uma nova ética sensível gerada a partir de uma estética e prática humana, sonora e coletiva.


 


Fonte: Karoline Viana (Diário do Nordeste/CE)

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