segunda-feira, 13 de dezembro de 2010

ONTEM NO FANTÁSTICO - Traficantes expulsos do Alemão abandonam jovens grávidas

Um projeto social chamado 'Meninas Mães' resolveu dar apoio a essas adolescentes. Elas frequentam palestras e cursos e começam a se valorizar.



Os traficantes que fugiram do Complexo do Alemão deixaram pra trás famílias despedaçadas. São mães adolescentes com filhos para criar. Agora elas tentam tocar a vida, dar a volta por cima e criar os filhos que tiveram com os bandidos. A reportagem é de Eduardo Faustini.

25 de novembro de 2010. Um dia que entrou para a história. Traficantes fogem da polícia, que começa a ocupar o Complexo do Alemão no Rio de Janeiro. Na fuga, os bandidos largaram drogas, armas, munição. E abandonaram centenas de jovens mães. O Fantástico mostra agora os dramas de meninas que viraram viúvas de homens vivos, a herança do tráfico.
“Eu nunca pensei que ia passar tanta dificuldade que eu passei com essa pessoa. Pra mim foi muito ruim, muito triste”.

Um projeto social chamado Meninas Mães resolveu dar apoio a essas adolescentes. Elas frequentam palestras e cursos e começam a se valorizar, a conhecer seus direitos e a descobrir o que é solidariedade num território que era dominado pelo tráfico e pelo medo.
É muito importante a gente encontrar um lugar que a gente possa desabafar”, diz uma das meninas.

“A gente quando chega aqui, uma apóia a outra. Uma escuta a história da outra”, conta uma delas.

O tráfico não era o único crime cometido pelos bandidos nas comunidades do Complexo do Alemão.

“Chegava em casa armado, drogado, não sabia o que tava falando, só queria saber de usar droga. Não queria saber o que estava se passando na minha cabeça; só sabia agredir”, relata uma das meninas.

“O poder instituído aqui dentro não vai poder permitir que a polícia entre aqui para fazer cumprir a lei. E quando isso acontece vai haver uma punição nessa família”, avalia Isabel Monteiro, do Projeto Meninas Mães.

“A gente não podia fazer nada, porque apanhava a família toda”, diz a menina.
Muitas vezes a família já tinha desistido de lutar pela menina. Expulsa de casa, ela ia viver no inferno.

Fantástico: E você tinha a quem reclamar?
Menina: Não. Era tudo só... Guardado só pra mim.
Fantástico: Por quê?
Menina: Porque eu não conseguia me abrir com outra pessoa, nem com o meu próprio pai. Eu tentava me abrir com ele, ele falava: "Isso é bem-feito; você quis se envolver com ele, o problema é seu".

Elas não tinham outra saída. Começaram a criar os filhos de pais traficantes que já não estavam presentes durante a gravidez.

“A barriga foi crescendo, aí ele foi se afastando”, lembra. “Eles nunca são presentes. Eles nunca podem ir numa coisa de pré-natal, assistir contigo. Eles não pode ir lá ver você ganhar neném”.

Muitas vezes a história começava bem. Mas apenas começava bem.

“Ele resolveu sair dessa vida. Acompanhou meu pré-natal, acompanhou o meu parto, teve ali todo momento do meu lado. Mas daqui a pouco isso tudo passa. Na verdade ele se viu: ‘Vou ser pai’. Aí se iludiu. Foi quando ele começou a sentir o gosto: mais de uma mulher, a ter dinheiro, usar um tênis de R$ 1 mil”, relata uma delas.

Pra eles se exibirem, não faltava dinheiro. Mas para os filhos, nada!

“Ele compra um tênis de R$ 1 mil pra ele. Mas ele não tá nem aí, na verdade, para o que o filho dele está usando”.

“Dinheiro entrava, e muito. Mas ele pensava mais nele e nas coisas que tinha que comprar pra dentro da casa. Coisa de criança ele não comprava nada, não”, diz.

“Se você vai pedir uma coisa pro seu filho, você tem que esperar, que não é na hora que eu quero. E muitas das vezes você tem que receber a notícia assim: ‘E agora, não tô a fim de dar?’ e vai ficar por isso mesmo, não está a fim de dar”, conta uma das meninas.

A vontade dos traficantes era a lei. Eles mantinham uma adolescente em casa e se divertiam com outras na rua.

“Tem a da rua e tem a de casa. Eu sempre fui a de casa. Eu num achava graça de nada disso”.

Fantástico: E um rapaz desse, ele consegue ter quantas namoradas na comunidade?
Menina: Quantas eles quiserem. Quantas eles quiserem. Se ele quiser ter dez, ele vai ter.
Fantástico: Uma sabendo da outra.
Menina: Uma sabendo da outra. Ué? Vai fazer o quê?

“Muita humilhação, porque eu tinha que passar, ver ele com outra; a outra falando pra mim que era a mulher dele, que eu não era. E eu tinha que aceitar aquilo ali calada”.

Mais um crime cometido pelos traficantes: a pedofilia.

“Quando a gente pensa no Estatuto da Criança e do Adolescente, quando a gente pensa em toda a legislação voltada pro combate à violência sexual contra a criança e adolescente, isso está lá fora no asfalto; aqui, não”, assegura Isabel Monteiro.

Fantástico: Com quantos anos uma menina perde a virgindade aqui na comunidade?
Menina: Ih, tem menina que com 9 anos não é mais virgem. Lá onde eu moro tem uma menina que ela tem 9 anos. Ela fica até com homens de 60 anos.

“Desde quando a menina começa a se arrumar, botar um brinco, uma bermuda curta, já virou mulher, nem esquenta a cabeça da idade que ela tem”, afirma uma das meninas.

“Uma menina que começa ter relação aos 11 anos, aos 12, na verdade muitas das vezes ela não está sendo assediada. Por ela ver o que a mais velha tem e querer ter, ela acaba botando um short curto, um top, e acaba se oferecendo”, opina outra.

“Pelo próprio relato das próprias meninas, a cultura é de tal forma incorporada por elas, que elas colocam que é porque elas dão mole, porque elas querem, elas se insinuam. Na verdade, elas não têm conhecimento dos seus direitos”, esclarece Isabel.

As meninas dizem que se acostumaram à violência.

Fantástico: E não te assustava namorar um rapaz com um fuzil nas costas, que frequentava sua casa armado?
Menina: Desde pequena já vivia com aquilo, já. Andava na rua, via, então isso não me assustava.

“Agora chegou o momento do estado então se fazer presente nessa comunidade”, afirma Isabel.

Apesar da presença do estado nas comunidades, é natural que algumas dessas meninas ainda se sintam perdidas.

“Eu vivo numa situação sem ele. Só eu e minha filha morando na minha casa”, conta uma das meninas.

“E agora, o marido foi embora, que que vai fazer da vida? Nada. Com quem eu vou confiar em deixar meu filho? Não sabe. Na verdade está sem chão, sem ninguém. Acaba tendo que voltar, recorrer às famílias. E aquelas que a família dá as costas?”, pergunta umas das meninas.

Enfim, uma luz no fim do túnel.

“O Projeto Meninas Mães vem exatamente pra levar a menina à consciência do seu direito, à consciência do que ela pode ter acesso sem ter envolvimento com o tráfico, ou com o traficante, ou com qualquer outro homem que venha a abordá-la”, explica Isabel.

“Vou cuidar do meu filho direito, vou pensar mais no meu filho que no pai da criança. Que tem muita menina que chega aqui no curso e pensa primeiro no pai; depois, na criança”, atesta uma das meninas.

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