Bete Godoy
O texto abaixo são ideias parafraseadas dos autores: Emília Ferreiro, Isabel Solé, Antoni Zabala, Regina Scarpa e Vygotsky com o objetivo de esmiuçar conceitos e facilitar a compreensão sobre a importância da mediação do professor na organização de ambientes alfabetizadores que respeite a infância.Comecemos a leitura com uma provocação: Devemos ensinar ler e escrever na educação infantil?
Existe uma constante polêmica sobre ensinar ou não a ler e escrever na educação infantil. Antes de responder é preciso clarear ideias e conceitos que possam ajudar a fazer escolhas mais acertadas na prática educativa dentro desta linguagem.
Quando falamos em escrita, pensamos unicamente na escrita alfabética e no alfabeto latino. Existem diversos sistemas de escrita, como também diversos usos sociais. Na história, o controle da escrita sempre esteve ligado ao exercício de poder.
Infelizmente essa ligação continuar a existir, apesar da democratização das práticas ligadas educação.
Para pensar no ingresso da cultura escrita, é preciso pensar na sociedade, mais do que na escola, e é necessário pensar na escrita como objeto cultural criado por inúmeros usuários.
A escrita não é apenas um sistema de traços ou sinais, ela deve ter relação com os sons da fala. A leitura é uma atividade permanente importante na educação infantil, mas, a ação de ler não deixa marcas visíveis no objeto e , quando deixa, são sinais de escrita, não de leitura. Assim que a criança percebe que a fala pode ser representada começa a desenhar letras em suas produções, principalmente nas ilustrações.
Escrever é fazer sinais e deve ser explorado desde cedo as condições de se dizer algo por escrito. Mas, a escrita não se limita a tornar visível o que é audível esta é apenas uma das suas características lingüística. Não é uma fotografia da fala, mas uma representação. A escrita permite um olhar distanciado da língua, um olhar que omite uma infinidade de detalhes que são necessários para se fazer entender por escrito.
Se a escritas desenvolvidas ao longo dos séculos fossem somente códigos, a tradução automática seria brincadeira de crianças. È justamente por não ser só códigos que os leitores devem ser interpretes, o que é muito diferente de ser um decodificador.
Ao ler para as crianças, o interpretante informa às crianças que aqueles sinais têm poderes mágicos, ao olhá-los simplesmente se produz linguagem.
O leitor é de fato um ator: empresta sua voz para fazer com que o texto se re-presente, isto é, para que volte a se fazer presente.
O caminho de aprender a escrever convencionalmente não é nada fácil, é cheio de obstáculos, mas se estimulamos a criança desde pequena a querer vencer este desafio oportunizando situação de leitura e escrita que provoque a vontade de saber ler e escrever o que facilitará bastante seu desenvolvimento no ensino fundamental.
O trabalho com o próprio nome da criança é elemento importante na compreensão da identidade, que também se realiza por escrito.
No início, a descoberta do próprio nome por escrito é fonte de orgulho e de prazer. Mas, aos poucos depois, transforma-se em fonte de problemas:
• Por que aquelas letras e naquela determinada ordem são usadas para o seu nome?
• Por que havendo tantas letras nesse mundo devo compartilhar minha inicial com a de outras pessoas conhecidas e desconhecidas.
• Por que os nomes têm tamanhos diferentes?
• As palavras podem ser decompostas em sílabas?
Quando a criança não conta com um bom interpretante (em casa ou na escola) começa o drama. Quando a leitura e a escrita é realizada de qualquer maneira nas instituições de ensino acontece o Silêncio do Encantado.
Alguns professores acham difícil ensinar recorrendo a magia desafiadora. Têm a sensação de perder tempo. E precisam de rituais de grafismos (ma-me-mi-mo-mu), ou cópia de letras e palavras em linhas e mais linhas do caderno.
Sabemos que não é nada fácil o trabalho com salas lotadas com 35 crianças e essa prática é usada por alguns educadores como estratégia para manter a ordem, já que passam um tempo enorme tentando fazer os traços (as letras). Infelizmente ainda não perceberam os que recorrem a essa prática que estão atrofiando e menosprezando a capacidade de aprender a ler e escrever das crianças.
Se nem mesmo a proposta de alfabetização no ensino fundamental se apoia na prática do copismo de letras e sílabas por que algumas instituições de educação infantil ainda insistem neste trabalho equivocado? Não existem outras atividades que envolvem a escrita nas outras linguagens infantis que possam ser exploradas na infância? O que dificulta lidar com esta com esta linguagem?
Temos professor que não lê e ensina a ler, professor que não escreve e ensina a escrever. Quando a prática do registro escrito foi incorporada na formação dos educadores a reação foi de insegurança devido à dificuldade em expressar suas ideias por meio da palavra.
Oportunizar as crianças experiências tediosas que reduz toda a capacidade de pensar em um par de olhos, um par de ouvidos e um aparelho fonador precisa ser revertido aos poucos educadores que ainda insistem em tal prática pedagógica.
Oportunizar as crianças experiências tediosas que reduz toda a capacidade de pensar em um par de olhos, um par de ouvidos e um aparelho fonador precisa ser revertido aos poucos educadores que ainda insistem em tal prática pedagógica.
Ler e escrever na educação infantil é possível. Vivemos num mundo grafocêntrico. As palavras estão espalhadas por parte. Todas as crianças têm direito de ser cidadã da cultura escrita.
Ao receberem informações sobre a escrita quando: brincam com a sonoridade das palavras, reconhecendo semelhanças e diferenças entre os termos, manuseiam todo tipo de material (nos livros, nos jornais, nas cartas, nos documentos oficiais, nas publicidades, nos calendários, nos mapas e em vários outros objetos cuja razão de se é a própria escrita), quando o professor lê para sua turma ou serve de escriba, as crianças já estão participando de um ambiente alfabetizador.
Se a educação infantil cumprir seu papel, envolvendo os pequenos em atividades que os façam pensar e compreender a escrita, no final dessa etapa eles poderão estar naturalmente alfabetizados (ou aptos a dar passos mais ousados em seus papéis de leitores e escritores).
Como criar situações motivadoras?
A aprendizagem é motivada por interesse, uma necessidade de saber. Mas, quem determina este interesse e necessidade? No entanto, um bom caminho a seguir é compreender que além dos aspectos cognitivos, a aprendizagem envolve aspectos afetivos-relacionais. Ao construir os significados pessoais sobre a realidade, constrói-se também o conceito que se tem de você mesma e também a estima características importantes ao equilíbrio pessoal.
Na concepção construtivista socio-interacionista as crianças chegam na escola com vários conhecimentos advindos da sua experiência pessoal e a partir destes conhecimentos a criança construirá e reconstruirá novos significados. A participação do professor nesse processo é fundamental. A cada sequência didática bem planejada a criança com ajuda do professor será capaz de construir novos conhecimentos inclusive sobre a escrita.
A prática apresentada a seguir é um recorte de um conjunto atividades realizadas. As crianças conversaram, leram, pesquisaram, brincaram, cantaram, dançaram explorando a cultura popular brasileira e nesta fase da sequência didática os festejos juninos provocaram diversas curiosidades já que é um bairro composto na sua grande maioria por moradores nordestinos.
È um bom exemplo de situação que envolve a escrita e leitura na educação infantil, saindo da reprodução para a construção de conhecimento por meio escrita e da própria escrita, respondendo a provocação inicial através da prática. È possível escrever e ler na educação infantil!
È um bom exemplo de situação que envolve a escrita e leitura na educação infantil, saindo da reprodução para a construção de conhecimento por meio escrita e da própria escrita, respondendo a provocação inicial através da prática. È possível escrever e ler na educação infantil!
Professora: Ivanete Aparecida Souza Anacleto
Crianças: 35 crianças
Idade: 5 anos
Para pensar e contextualizar a ação pedagógica da professora:
- A professora sabe quais são os conhecimentos prévios das crianças sobre o assunto.
- Valoriza a importância destes conhecimentos (explicitados ou não/ currículo oculto).
- Aproveita o interesse da turma.
- Reconhece que as crianças são capazes de saber mais sobre o assunto.
- Planeja situações em que a escrita possa ser vivenciada num contexto convidativo a querer saber mais sobre a representação de ideias por meio da palavra.
- Oportuniza o contato com outro portador de texto (mapa-cartografia) ampliando conhecimentos em outras linguagens.
- Valoriza os saberes da comunidade e aproveita para fazer da escola um ambiente educativo para todos.
A professora Ivanete convidou mães para participarem de uma conversa com as crianças e contar como acontecem os festejos juninos no seu Estado de Origem.
Ednalva mãe do Felipe contribuiu com os seus saberes relatando sobre a cultura junina em Pernambuco.
Felipe ficou muito orgulhoso e logo se posicionou ao lado da sua mãe.
Na lousa a professora afixou papéis para o registro das informações. O mapa do Brasil político novamente foi trazido para uma situação de leitura e compreensão geográfica.
Ivanete ( professora) conversa com Ednalva (mãe) sobre a proposta do encontro.
Ednalva timidamente fala sobre sua trajetória pessoal até chegar ao Estado de São Paulo.
Ednalva timidamente fala sobre sua trajetória pessoal até chegar ao Estado de São Paulo.
Quanto tempo morou em Pernambuco, quando veio para São Paulo, a quanto tempo mora no bairro.
Logo foi um alvoroço, outras crianças também disseram que seus pais eram de Pernambuco e assim, começaram a participar da conversa.
A professora aproveitou a curiosidade latente e mostrou no mapa a localização do Estado de Pernambuco, por isso, Ednalva levara tantos dias para chegar de Ônibus em São Paulo.
Conforme as crianças relatavam o Estado de origem de seus pais a professora fazia o mesmo processo de localização geográfica.
Ednalva falou sobre:
- Comidas típicas nas festas juninas de Pernambuco
- Brincadeiras
- Bebidas
- Costumes
Ednalva estava relatando sobre as brincadeiras mais comuns em Pernambuco quando de repente Gabrielle se levanta e diz: -Eu conheço essa brincadeira chamada pastoril!
Professora:- De onde você conhece?
Gabrielle:- Quando fui na Paraíba com a minha mãe no ano passado brinquei com meus primos.
Ednalva:-Como é que vocês brincam?
Conforme Gabrielle ia relatando Ednalva falava sobre as semelhanças e diferenças no modo de brincar o pastoril.
Foi interessante ver como as crianças se sentem importantes e auto-confiantes quando seu saberes são valorizados.
Felipe neste momento ficou com ciúmes, mas, logo depois também resolver fazer uma pergunta a sua mãe.
Agora, Ednalva respondia ao próprio filho.
Felipe:-Que brincadeira você mais gostava, mãe?
Ednalva:-De fazer boneca com sabugo de milho.
As crianças caíram na gargalhada e quiseram saber como era feita a boneca.
Jamilly perguntou: - Na festa junina lá em Pernambuco as pessoas dançam?
Ednalva:- Dançam muito ...
Assim, as crianças foram conhecendo mais sobre a cultura de Pernambuco.
Ivanete registrou tudo em uma folha. No dia seguinte aproveitou as riquezas de informações coletadas para realizar atividades de leitura e escrita com as crianças.
Atividades que envolveram:
- Leitura das palavras (realizada pela professora)
Exploração da:
- Sonoridade.
- Quantidade de letras.
- Iniciais do nome. Palavras que começam e terminam com a mesma letra mas, que têm significado diferente.
- Escrita das palavras que despertaram maior interesse em conversar como foi o caso do pastoril.
- Uso do alfabeto móvel para escrever algumas das palavras do cartaz.
- Localização de palavras.
O que as crianças tiveram a oportunidade de aprender? Você mesmo leitor, poderá fazer a reflexão e listar quais aprendizagens estiveram presentes nesta atividade.
Parabéns, a professora Ivanete da EMEI Rumi Oikawa pelo belo trabalho realizado. Existem professores capazes de fazer a diferença na educação!
Bibliografia
-Scarpa,Regina. Alfabetizar na educação infantil. Pode?Revista Nova Escola
-Faria, Ana Lucia Goulart. (Org). O coletivo infantil em creches e pré-escolas.Editora Cortez. e -Ferreiro, Emilia.O ingresso nas culturas escritas.
-Vygotsky,LS. Formação social da mente. Editora Martins Fontes
-Coll, César.(Org) O construtivismo na sala de aula. Editora Àtica
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