sexta-feira, 7 de janeiro de 2011

A ESCRITA NA EDUCAÇÃO INFANTIL

A ESCRITA NA EDUCAÇÃO INFANTIL: "
Bete Godoy
O texto abaixo são ideias parafraseadas dos autores: Emília Ferreiro, Isabel Solé, Antoni Zabala, Regina Scarpa e Vygotsky com o objetivo de esmiuçar conceitos e facilitar a compreensão sobre a importância da mediação do professor na organização de ambientes alfabetizadores que respeite a infância.

Comecemos a leitura com uma provocação: Devemos ensinar ler e escrever na educação infantil?
Existe uma constante polêmica sobre ensinar ou não a ler e escrever na educação infantil. Antes de responder é preciso clarear ideias e conceitos que possam ajudar a fazer escolhas mais acertadas na prática educativa dentro desta linguagem.

Quando falamos em escrita, pensamos unicamente na escrita alfabética e no alfabeto latino. Existem diversos sistemas de escrita, como também diversos usos sociais. Na história, o controle da escrita sempre esteve ligado ao exercício de poder.

Infelizmente essa ligação continuar a existir, apesar da democratização das práticas ligadas educação.
Para pensar no ingresso da cultura escrita, é preciso pensar na sociedade, mais do que na escola, e é necessário pensar na escrita como objeto cultural criado por inúmeros usuários.

A escrita não é apenas um sistema de traços ou sinais, ela deve ter relação com os sons da fala. A leitura é uma atividade permanente importante na educação infantil, mas, a ação de ler não deixa marcas visíveis no objeto e , quando deixa, são sinais de escrita, não de leitura. Assim que a criança percebe que a fala pode ser representada começa a desenhar letras em suas produções, principalmente nas ilustrações.

Escrever é fazer sinais e deve ser explorado desde cedo as condições de se dizer algo por escrito. Mas, a escrita não se limita a tornar visível o que é audível esta é apenas uma das suas características lingüística. Não é uma fotografia da fala, mas uma representação. A escrita permite um olhar distanciado da língua, um olhar que omite uma infinidade de detalhes que são necessários para se fazer entender por escrito.

Se a escritas desenvolvidas ao longo dos séculos fossem somente códigos, a tradução automática seria brincadeira de crianças. È justamente por não ser só códigos que os leitores devem ser interpretes, o que é muito diferente de ser um decodificador.
Ao ler para as crianças, o interpretante informa às crianças que aqueles sinais têm poderes mágicos, ao olhá-los simplesmente se produz linguagem.

O leitor é de fato um ator: empresta sua voz para fazer com que o texto se re-presente, isto é, para que volte a se fazer presente.
O caminho de aprender a escrever convencionalmente não é nada fácil, é cheio de obstáculos, mas se estimulamos a criança desde pequena a querer vencer este desafio oportunizando situação de leitura e escrita que provoque a vontade de saber ler e escrever o que facilitará bastante seu desenvolvimento no ensino fundamental.

O trabalho com o próprio nome da criança é elemento importante na compreensão da identidade, que também se realiza por escrito.
No início, a descoberta do próprio nome por escrito é fonte de orgulho e de prazer. Mas, aos poucos depois, transforma-se em fonte de problemas:

• Por que aquelas letras e naquela determinada ordem são usadas para o seu nome?

• Por que havendo tantas letras nesse mundo devo compartilhar minha inicial com a de outras pessoas conhecidas e desconhecidas.

• Por que os nomes têm tamanhos diferentes?

• As palavras podem ser decompostas em sílabas?

Quando a criança não conta com um bom interpretante (em casa ou na escola) começa o drama. Quando a leitura e a escrita é realizada de qualquer maneira nas instituições de ensino acontece o Silêncio do Encantado.

Alguns professores acham difícil ensinar recorrendo a magia desafiadora. Têm a sensação de perder tempo. E precisam de rituais de grafismos (ma-me-mi-mo-mu), ou cópia de letras e palavras em linhas e mais linhas do caderno.

Sabemos que não é nada fácil o trabalho com salas lotadas com 35 crianças e essa prática é usada por alguns educadores como estratégia para manter a ordem, já que passam um tempo enorme tentando fazer os traços (as letras). Infelizmente ainda não perceberam os que recorrem a essa prática que estão atrofiando e menosprezando a capacidade de aprender a ler e escrever das crianças.

Se nem mesmo a proposta de alfabetização no ensino fundamental se apoia na prática do copismo de letras e sílabas por que algumas instituições de educação infantil ainda insistem neste trabalho equivocado? Não existem outras atividades que envolvem a escrita nas outras linguagens infantis que possam ser exploradas na infância? O que dificulta lidar com esta com esta linguagem?
Temos professor que não lê e ensina a ler, professor que não escreve e ensina a escrever. Quando a prática do registro escrito foi incorporada na formação dos educadores a reação foi de insegurança devido à dificuldade em expressar suas ideias por meio da palavra.

Oportunizar as crianças experiências tediosas que reduz toda a capacidade de pensar em um par de olhos, um par de ouvidos e um aparelho fonador precisa ser revertido aos poucos educadores que ainda insistem em tal prática pedagógica.

Ler e escrever na educação infantil é possível. Vivemos num mundo grafocêntrico. As palavras estão espalhadas por parte. Todas as crianças têm direito de ser cidadã da cultura escrita.

Ao receberem informações sobre a escrita quando: brincam com a sonoridade das palavras, reconhecendo semelhanças e diferenças entre os termos, manuseiam todo tipo de material (nos livros, nos jornais, nas cartas, nos documentos oficiais, nas publicidades, nos calendários, nos mapas e em vários outros objetos cuja razão de se é a própria escrita), quando o professor lê para sua turma ou serve de escriba, as crianças já estão participando de um ambiente alfabetizador.

Se a educação infantil cumprir seu papel, envolvendo os pequenos em atividades que os façam pensar e compreender a escrita, no final dessa etapa eles poderão estar naturalmente alfabetizados (ou aptos a dar passos mais ousados em seus papéis de leitores e escritores).

Como criar situações motivadoras?
A aprendizagem é motivada por interesse, uma necessidade de saber. Mas, quem determina este interesse e necessidade? No entanto, um bom caminho a seguir é compreender que além dos aspectos cognitivos, a aprendizagem envolve aspectos afetivos-relacionais. Ao construir os significados pessoais sobre a realidade, constrói-se também o conceito que se tem de você mesma e também a estima características importantes ao equilíbrio pessoal.
Na concepção construtivista socio-interacionista as crianças chegam na escola com vários conhecimentos advindos da sua experiência pessoal e a partir destes conhecimentos a criança construirá e reconstruirá novos significados. A participação do professor nesse processo é fundamental. A cada sequência didática bem planejada a criança com ajuda do professor será capaz de construir novos conhecimentos inclusive sobre a escrita.

A prática apresentada a seguir é um recorte de um conjunto atividades realizadas. As crianças conversaram, leram, pesquisaram, brincaram, cantaram, dançaram explorando a cultura popular brasileira e nesta fase da sequência didática os festejos juninos provocaram diversas curiosidades já que é um bairro composto na sua grande maioria por moradores nordestinos.

È um bom exemplo de situação que envolve a escrita e leitura na educação infantil, saindo da reprodução para a construção de conhecimento por meio escrita e da própria escrita, respondendo a provocação inicial através da prática. È possível escrever e ler na educação infantil!

Professora: Ivanete Aparecida Souza Anacleto
Crianças: 35 crianças
Idade: 5 anos

Para pensar e contextualizar a ação pedagógica da professora:
  • A professora sabe quais são os conhecimentos prévios das crianças sobre o assunto.
  • Valoriza a importância destes conhecimentos (explicitados ou não/ currículo oculto).
  • Aproveita o interesse da turma.
  • Reconhece que as crianças são capazes de saber mais sobre o assunto.
  • Planeja situações em que a escrita possa ser vivenciada num contexto convidativo a querer saber mais sobre a representação de ideias por meio da palavra.
  • Oportuniza o contato com outro portador de texto (mapa-cartografia) ampliando conhecimentos em outras linguagens.
  • Valoriza os saberes da comunidade e aproveita para fazer da escola um ambiente educativo para todos.

A professora Ivanete convidou mães para participarem de uma conversa com as crianças e contar como acontecem os festejos juninos no seu Estado de Origem.
Ednalva mãe do Felipe contribuiu com os seus saberes relatando sobre a cultura junina em Pernambuco.
Felipe ficou muito orgulhoso e logo se posicionou ao lado da sua mãe.
Na lousa a professora afixou papéis para o registro das informações. O mapa do Brasil político novamente foi trazido para uma situação de leitura e compreensão geográfica.

Ivanete ( professora) conversa com Ednalva (mãe) sobre a proposta do encontro.
Ednalva timidamente fala sobre sua trajetória pessoal até chegar ao Estado de São Paulo.
Quanto tempo morou em Pernambuco, quando veio para São Paulo, a quanto tempo mora no bairro.
Logo foi um alvoroço, outras crianças também disseram que seus pais eram de Pernambuco e assim, começaram a participar da conversa.
A professora aproveitou a curiosidade latente e mostrou no mapa a localização do Estado de Pernambuco, por isso, Ednalva levara tantos dias para chegar de Ônibus em São Paulo.
Conforme as crianças relatavam o Estado de origem de seus pais a professora fazia o mesmo processo de localização geográfica.

Ednalva falou sobre:
  • Comidas típicas nas festas juninas de Pernambuco
  • Brincadeiras
  • Bebidas
  • Costumes
A professora foi a escriba enquanto as crianças faziam as perguntas.
Ednalva estava relatando sobre as brincadeiras mais comuns em Pernambuco quando de repente Gabrielle se levanta e diz: -Eu conheço essa brincadeira chamada pastoril!
Professora:- De onde você conhece?
Gabrielle:- Quando fui na Paraíba com a minha mãe no ano passado brinquei com meus primos.
Ednalva:-Como é que vocês brincam?
Conforme Gabrielle ia relatando Ednalva falava sobre as semelhanças e diferenças no modo de brincar o pastoril.
Foi interessante ver como as crianças se sentem importantes e auto-confiantes quando seu saberes são valorizados.
Felipe neste momento ficou com ciúmes, mas, logo depois também resolver fazer uma pergunta a sua mãe.

Agora, Ednalva respondia ao próprio filho.
Felipe:-Que brincadeira você mais gostava, mãe?
Ednalva:-De fazer boneca com sabugo de milho.
As crianças caíram na gargalhada e quiseram saber como era feita a boneca.


Jamilly perguntou: - Na festa junina lá em Pernambuco as pessoas dançam?
Ednalva:- Dançam muito ...
Assim, as crianças foram conhecendo mais sobre a cultura de Pernambuco.


Ivanete registrou tudo em uma folha. No dia seguinte aproveitou as riquezas de informações coletadas para realizar atividades de leitura e escrita com as crianças.
Atividades que envolveram:
  • Leitura das palavras (realizada pela professora)
Exploração da:
  • Sonoridade.
  • Quantidade de letras.
  • Iniciais do nome. Palavras que começam e terminam com a mesma letra mas, que têm significado diferente.
  • Escrita das palavras que despertaram maior interesse em conversar como foi o caso do pastoril.
  • Uso do alfabeto móvel para escrever algumas das palavras do cartaz.
  • Localização de palavras.
O que as crianças tiveram a oportunidade de aprender? Você mesmo leitor, poderá fazer a reflexão e listar quais aprendizagens estiveram presentes nesta atividade.

Parabéns, a professora Ivanete da EMEI Rumi Oikawa pelo belo trabalho realizado. Existem professores capazes de fazer a diferença na educação!
Bibliografia
-Scarpa,Regina. Alfabetizar na educação infantil. Pode?Revista Nova Escola
-Faria, Ana Lucia Goulart. (Org). O coletivo infantil em creches e pré-escolas.Editora Cortez. e -Ferreiro, Emilia.O ingresso nas culturas escritas.
-Vygotsky,LS. Formação social da mente. Editora Martins Fontes
-Coll, César.(Org) O construtivismo na sala de aula. Editora Àtica
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