Demétrio Weber - O GLOBO
BRASÍLIA - Enquanto a presidente Dilma Rousseff promete ampliar o
ensino técnico e melhorar o ensino médio, o Censo Escolar de 2010,
divulgado em dezembro, mostra que o Brasil retrocedeu em outra frente
também importante para a qualificação de mão de obra. As matrículas na
chamada educação de jovens e adultos (EJA) - antigo supletivo - caíram
14,9% de 2007 a 2010, uma redução de 740 mil alunos. (
Leia também: Corte no Ministério da Educação será de R$ 1 bi
)
A queda preocupa o MEC, que ainda tenta entender as causas do
fenômeno. Afinal, 57,7 milhões de brasileiros com 18 anos ou mais não
tinham completado o ensino fundamental nem frequentavam a escola em
2009, segundo a última Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios
(Pnad), do IBGE. Se for considerada a população sem ensino médio, o
número é ainda maior.
Ou seja, uma coisa é certa: o que não falta no Brasil são alunos
em potencial para as turmas de EJA. Apesar disso, o Censo Escolar
mostrou que as matrículas diminuíram 8% de 2009 para 2010, com o
universo de estudantes de supletivos caindo para 4,2 milhões (- 403
mil).
Programa vai estimular ensino técnicoDilma
dedicou seu primeiro pronunciamento nacional em rede de rádio e tevê,
nesta quinta-feira, ao tema da educação. Ela anunciou o lançamento,
ainda no primeiro trimestre, do Plano Nacional de Acesso à Escola
Técnica, o Pronatec.
- Nenhuma ferramenta é mais decisiva do que ela (educação) para superarmos a pobreza e a miséria.
A existência de um público-alvo para a educação de jovens e
adultos superior a 57,7 milhões de pessoas foi destacada pelo Instituto
Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (Inep), órgão do Ministério
da Educação, responsável pelas estatísticas oficiais. No resumo técnico
que acompanha o censo, o Inep cita o dado da pesquisa do IBGE. E
afirma: "Os números são contundentes, ou seja, o atendimento de EJA é
muito aquém do que poderia ser."
- A gente fala tanto que o conhecimento é vital para o
desenvolvimento e o crescimento econômico. E tem uma parte grande da
população que não consegue sequer completar o ensino fundamental - diz
Timothy Ireland, especialista do escritório brasileiro da Organização
das Nações Unidas para a Ciência, a Educação e a Cultura (Unesco).
Ex-diretor de EJA do Ministério da Educação, Ireland chama a
atenção para outros dois problemas: a redução de matrículas na educação
de jovens e adultos indica que os cursos de alfabetização estão
produzindo poucos resultados e que não está havendo articulação, isto é,
o recém-alfabetizado não permanece na escola; falta adequação dos
conteúdos e das escolas para o público adulto.
- Muitos jovens e adultos têm dificuldade de ver a relevância dos
conteúdos que aprendem para suas vidas. É preciso rever o tipo de
escola que se oferece a eles.
Total de escolas com EJA também diminuiuO censo
revela que o total de escolas que oferecem EJA vem caindo. De 2007 para
2010, a redução foi de 7,3%, com 39.641 unidades no país. Há diminuição
ainda das matrículas noturnas, que respondem por 86% do atendimento. No
período de 2007 a 2010, a queda foi de 14,8%, praticamente o mesmo
percentual da retração geral.
Entre as hipóteses levantadas pelo MEC para explicar o retrocesso
há uma que não deixa de ser irônica: a criação do Fundeb (Fundo de
Desenvolvimento da Educação Básica) teria drenado recursos da EJA, na
medida que o dinheiro dos supletivos é repassado no bolo de toda a
educação básica.
Segundo a hipótese, prefeitos e governadores privilegiariam as
etapas regulares, para crianças e adolescentes, discriminando a EJA. A
ironia está no fato de que a criação do Fundeb, em 2007, foi considerada
uma vitória dentro do governo, justamente por abranger todo o ensino
básico. Mais do que isso, o Fundeb aumentou, em tese, o valor dos
repasses para EJA. Só não garante que o dinheiro atenda o alunado
adulto.
A secretária de Educação de Mato Grosso do Sul, Maria Nilene
Badeca da Costa, aponta outro problema. No sistema de redistribuição de
verbas do Fundeb, os alunos de EJA valem menos do que os colegas das
outras etapas. Essa diferença supera 30%.
Secretária defende qualificação de professoresPara
Maria Nilene, além de reformular os currículos, é necessário melhorar a
formação dos professores que lecionam para turmas de adultos.
- Essa queda no número de matrículas não significa que não há
candidatos à EJA, mas sim que essa modalidade de ensino não tem
correspondido às expectativas da população, que procura um currículo
flexibilizado, com carga horária menos rígida e com metodologia adequada
- diz Maria Nilene, por e-mail, falando em nome do Conselho Nacional de
Secretários de Educação (Consed).
Outra hipótese levantada no MEC para explicar a redução de
matrículas seria uma falha técnica do censo. A suspeita é que uma parte
dos alunos não seria contabilizada, já que as turmas de EJA não seguem o
ano letivo, como as demais modalidades. De antemão, o próprio
ministério admite, porém, que essa possibilidade, mesmo que confirmada,
não seria suficiente para justificar tamanha queda.
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