sexta-feira, 4 de fevereiro de 2011

Vias de acesso

Quatro projetos mostram como a arte desperta os estudantes para a cultura e dá mais qualidade à educação

Lélia Chacon

 
Produzidas por meios diversos, as manifestações culturais oferecem a compreensão dos valores e hábitos da sociedade. Sua interface com a educação, por isso, é óbvia. São áreas irmãs, uma alimenta a outra. Quatro projetos com estudantes, nas áreas de música, da fotografia, das artes representadas no teatro e no museu, ilustram esta relação, indicando que os benefícios para os alunos não se limitam à aquisição de um repertório cultural. No contexto educativo, a arte é um veículo poderoso de inclusão: fortalece vínculos com a família, a escola e entre os colegas. Aumenta a participação de todos na comunidade.

Um exemplo é o projeto Música para Todos, do qual se beneficiam estudantes da rede pública de Teresina (PI). O fundador da iniciativa é o ex-comerciante de instrumentos musicais Luís Sá, que imaginava “ficar rico” com uma grande escola de música. Mas a demanda era outra: “Eu via muitos jovens carentes querendo uma escola gratuita. Um dia, um grupo se aproximou perguntando se era ali que se fazia matrícula. ‘É, pode entrar’, eu disse, decidindo mudar meu rumo e fazer algo por essa juventude”.

No Rio de Janeiro, o Passageiro do Futuro capacita jovens nas técnicas das artes cênicas. “Realizamos encontros regulares com as famílias e percebemos como as atividades as mobilizam. O principal é que os jovens se sentem estimulados, capazes, o que aumenta o interesse deles pela escola”, diz Juliana Teixeira, idealizadora do projeto.

Em Minas Gerais, destacam-se as ações do Instituto Inhotim, que abriga um dos mais importantes acervos de arte contemporânea do mundo, em meio a outro acervo, botânico. Lá se desenvolvem o projeto Descentralizando o Acesso, para professores; a Escola Integrada, que recebe estudantes para explorações diversas no Instituto, e o Laboratório Inhotim, onde adolescentes têm formação em arte, durante um ano.

Na Escola do Olhar, projeto da organização paulistana ImageMagica, o laboratório envolve alunos com a fotografia, para que se apropriem desta linguagem visual como instrumento de comunicação e transformação social. “Buscamos o desenvolvimento artístico, cultural e educacional dos jovens”, diz Carolina Silva, coordenadora do programa.
São Paulo, SP - Projeto Escola do Olhar
  Foto: Divulgação
   

“Perceber o mundo em que se vive é o primeiro passo para modificá-lo”. A frase marca os comunicados da ImageMagica, criada em 1995, em São Paulo, pelo fotógrafo documentarista André François, finalista do prêmio Empreendedor Social 2006. A organização, que promove a educação, a cultura e a saúde, entendidas como pilares do desenvolvimento pessoal e social, é hoje um Ponto de Cultura, parceira do Ministério da Cultura. Em 1998, começou o programa Escola do Olhar, já aplicado em mais de 30 escolas públicas, no interior e na capital paulista. A ação visa implantar laboratórios, ou núcleos fotográficos, em escolas, ou comunidades. Os alunos, da 7ª série em diante, aprendem, em oficinas de três meses de duração, a técnica da foto na lata e também a digital. Para praticar, fazem o mapeamento do bairro. A percepção do local – da família, da rua, do bairro, da cidade – aumenta a consciência do mundo em que vivem. No processo, os conteúdos escolares e os das artes visuais entram em sintonia não só nas áreas de exatas, como física e química, mas nas de leitura, escrita, história e geografia, que a atividade de investigar o bairro envolve. No fim, há uma exposição fotográfica, inteiramente organizada e divulgada pelos alunos. Fora da escola, a ImageMagica organiza cursos profissionalizantes gratuitos, dirigidos a jovens de 15 a 19 anos. Aí, a fotografia vira ferramenta de estímulo ao empreendedorismo.
Minas Gerais, Brumadinho - Arte e Educação no Instituto Inhotim
  Foto: Divulgação
   

Três programas dão conta das relações que o Instituto Inhotim pretendia, desde sua criação, ver estabelecidas com as escolas. O carro-chefe, explica a coordenadora das ações, Janaína Mello, é o projeto Descentralizando o Acesso, voltado à formação do professor. São dois dias de programa. No primeiro, o professor vai ao museu e checa as possibilidades que a arte ali reunida proporciona à prática pedagógica na escola. O educador do museu acompanha a visita, esclarece questões e dá referências para as necessidades do professor – por exemplo, ensinar matemática à luz das obras expostas. No segundo dia, o educador do Instituto vai à escola, completando o processo para o projeto do professor. As experiências que resultam do programa, reunidas em publicação do Instituto, são oferecidas para outros professores. Os alunos destes mestres chegam ao museu, no projeto Escola Integrada, mais preparados para aproveitar e explorar o ambiente. Neste segundo programa , em parceria com a prefeitura de Belo Horizonte, o Instituto recebe 80 estudantes por semana, de ensino fundamental e médio. Eles passam um dia inteiro no museu, conhecendo o acervo e fazendo atividades que podem resultar em retorno, de acordo com suas pesquisas. No terceiro projeto, Laboratório Inhotim, estudantes de escolas urbanas e rurais do município de Brumadinho têm formação em arte contemporânea durante um ano. Os alunos criam projetos artísticos a partir de ícones de suas regiões, como, por exemplo, uma igreja ou uma cachoeira.
Rio de Janeiro, RJ - Projeto Passageiro do Futuro
  Foto: Divulgação
   

Iniciado em 2001, o projeto oferece capacitação técnica em artes cênicas a estudantes de 16 a 20 anos da rede pública e facilita seu acesso ao mercado de trabalho. A formação inclui oficinas, ensaio e montagem teatral e circulação do espetáculo, criado pelos formandos. A turnê mais recente é a da peça “Forrobodó”, um clássico de Chiquinha Gonzaga. Nas oficinas (cenário, figurino, maquiagem, iluminação, som, interpretação, preparação vocal e corporal), associam-se conteúdos artísticos e disciplinas da escola. Os jovens trabalham coletivamente, debatendo e elegendo as melhores propostas para cada parte do espetáculo. Também visitam espaços culturais da cidade, têm aulas de reforço em português e matemática, acesso a biblioteca e a palestras. Durante a formação, eles mobilizam a rede família-escola-comunidade, apresentando esquetes nos bairros. De dois em dois meses, aos domingos, há encontros com as famílias. Uma assistente social monitora o rendimento no programa e na escola. “Ela solicita, na escola, os boletins do ano anterior e acompanha as mudanças. Em geral, há melhora muito grande em português, história e geografia”, conta Juliana Teixeira, comandante do Passageiro do Futuro. “Além do acesso ao conhecimento e ao fazer artístico, o projeto os faz se sentirem capazes, estimulados para os estudos e o mercado de trabalho”. De 15% a 20% dos alunos seguem na área profissional, absorvidos em monitoria no próprio projeto e por empresas parceiras, nas áreas de moda, teatro, TV, cenário, música.


Teresina, PI - Música para todos
  Foto: Divulgação
   

Realizado pelo Instituto Cultural Santa Rita, o projeto está presente em escolas de 16 bairros de Teresina, envolvendo cerca de 1.800 crianças e, em sua sede, 1.200 adolescentes, jovens e adultos em cursos livres de bateria, percussão, flauta, contrabaixo, teclado, violão popular e erudito. “Damos ênfase à teoria musical, para que o aluno seja capaz de ler partituras. Assim, ele pode tocar música em qualquer lugar”, explica Luís Sá, fundador do projeto. As aulas nos bairros permitem aos participantes ficarem mais próximos dos pais e da comunidade. “É comum encontrarmos famílias musicalizadas pelos filhos. Além disso, os jovens não precisam se deslocar, o que é dispendioso para os pais, e a atividade se integra à escola”, diz Luís. Os melhores alunos das escolas na flauta doce passam a aprender violino e viola. Depois, na sede do projeto, podem avançar no aprendizado e, no futuro, renovar os quadros das orquestras e bandas sinfônicas e construir uma carreira musical. “É a nossa batalha e tem sido bem-feita. A maioria de nossos alunos apresenta melhoria na concentração, no aprendizado escolar, na expressividade e comunicação com outros alunos, com suas famílias e pessoas da comunidade. Estamos colecionando depoimentos de mudança e transformação por meio da música”, diz Luís Sá. Para ele, “quem aprende música tem mais noção de cidadania, fica mais suscetível ao dever, pois sabe que tem de tocar no compasso certo, que tem um conjunto por trás do sucesso.”

   


  

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