terça-feira, 8 de fevereiro de 2011

Antigo supletivo tem 370 mil alunos a menos em 2010

Especialistas procuram causas para queda no número de matrículas. Em São Paulo, diminuição chegou a 25% do total de alunos

Priscilla Borges, iG Brasília | 08/02/2011 07:00

O número de jovens e adultos que frequenta a escola diminui a cada ano: só em 2010, caiu 8% em relação aos matriculados em 2009. De 4,6 milhões naquele ano, 4,2 milhões estudaram em 2010. A maior parte da queda ocorreu entre os matriculados na fase final da educação básica, o ensino médio. Para essa fase, as regras aprovadas pelo Conselho Nacional de Educação (CNE) determinam que os jovens tenham, pelo menos, 18 anos para ingressar na modalidade. No ensino fundamental, a idade mínima é de 15 anos.

As determinações de faixa etária mínima renderam inúmeras discussões no conselho durante o ano passado. Em abril, novas regras para a Educação de Jovens e Adultos (EJA) – modalidade que substituiu o supletivo – foram aprovadas no CNE. Além de carga horária maior, os alunos só poderão se matricular no fundamental após os 15 anos. O que não vinha acontecendo. Em junho, o ministro da Educação, Fernando Haddad, homologou a decisão.
Depois da divulgação do Censo Escolar 2010, em dezembro, as mudanças na idade exigida para matrícula na EJA foram usadas como argumento para justificar a queda nas matrículas. Mas o tema é controverso e defensores da educação para adultos temem que a oferta menor de aulas esteja afastando possíveis estudantes das salas de aula.

Matrículas na EJA

O número de estudantes matriculados na Educação de Jovens e Adultos vem caindo em todas as etapas
Censo Escolar 2010 - Inep/MEC


O próprio relatório feito pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) para o Censo revela a preocupação dos pesquisadores com os dados. Primeiro, eles mostram que o Brasil tem uma população de 57,7 milhões de pessoas com mais de 18 anos que não frequentam escola e que não têm o ensino fundamental completo de acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Esse contingente deveria ser atendido pela EJA. “Os números são contundentes. O atendimento de EJA é muito aquém do que poderia ser”, afirma o texto produzido pelo Inep.

Para Edmilson Leite, representante dos Fóruns EJA do Brasil na Comissão Nacional de Alfabetização e Educação de Jovens e Adultos (CNAEJA), a queda não é natural. As matrículas no ensino regular caíram como um todo. De 53,5 milhões de alunos em 2009, para 51,5 milhões em 2010. Os argumentos de que o ensino regular corrigiu defasagens educacionais históricas também não explicam a situação da EJA, segundo ele. “De fato, a tendência é que as matrículas em EJA caíssem com a escolarização da população. No entanto, nossa dívida social educacional ainda é enorme”, diz.

Edmilson defende que um estudo mais detalhado seja feito pelo Ministério da Educação para entender essa queda entre os estudantes matriculados. O relatório do Inep apresenta ainda um dado que pode refletir no número de matrículas: a quantidade de escolas que oferece a modalidade no País também está diminuindo. Em 2007, 42.753 colégios ofereciam turmas de EJA. Em 2010, o total caiu para 39.641. “Menos escolas, mais dificuldades, sobretudo nos grandes centros urbanos em que o deslocamento pode se tornar um impeditivo para acesso aos locais de oferta”, diz o texto.

EJA nas redes

As escolas estaduais são as que, proporcionalmente, mais oferecem turmas nessa etapa. Rede municipal, porém, está próxima no atendimento (em %)
Censo Escolar 2010 - Inep/MEC


Houve redução de estudantes matriculados em todas as etapas, mas o ensino médio tem sido o mais prejudicado. Em 2009, havia 1.547.275 estudantes nas turmas da fase final da educação básica e, em 2010, a quantidade caiu para 1.388.852. Uma redução de 10% entre os dois anos. Nas turmas do ensino fundamental, onde está a maioria dos alunos da EJA, a queda foi de 244.792 alunos, que representam 8% das matrículas de 2009. Naquele ano, havia 3.090896 estudantes e, em 2010, 2.860.230.

A maior parte das matrículas nessa modalidade está na rede estadual. Ela é responsável pelo atendimento de 54,8% do total de 4,2 milhões de estudantes. Os colégios municipais atendem 41,7% das matrículas e os federais apenas 0,4%. Na rede privada, estão 3,1% dos alunos.

Justificativas

Edmilson lembra que o modelo técnico adotado para repassar recursos do Fundo de Manutenção da Educação Básica (Fundeb) aos Estados e municípios não favorece ao atendimento da população adulta. Para cada matrícula na EJA, as redes estaduais e municipais recebem 80% do valor pago por estudante do ensino fundamental matriculado em na rede regular da área urbana. “Há municípios que preferem colocar os adultos em turmas regulares, para receber mais. Mas a metodologia para os adultos deve ser diferente”, diz.

Ele acredita que a previsão de recursos com base nas matrículas do ano anterior contribui para desestimular as redes a abrir novas turmas da Educação de Jovens e Adultos. “O município que não possui turmas dessa modalidade precisará fazer um esforço inicial que, muitas vezes, não é possível”, ressalta. Segundo o representante do Fórum Nacional, não é falta de interesse que afasta os adultos da escola, mas a ausência de atendimento adequado.

Preocupação na Justiça


Em São Paulo, a queda das matrículas assustou as entidades que estudam e defendem a modalidade. As escolas perderam um quarto dos estudantes de um ano para o outro. Na rede estadual, havia 381.938 alunos matriculados em 2009. Em 2010, o número diminuiu para 287.456. Nos colégios municipais, a redução das matrículas não foi diferente: de 243.855 nas turmas presenciais em 2009 para 189.399 em 2010.

Com os dados em mãos, as entidades participantes do Fórum de EJA de São Paulo encaminharam representações às promotorias de algumas das maiores cidades do Estado: Campinas, Guarulhos, Osasco, Santo André, São José dos Campos, Sorocaba, Ribeirão Preto, Santos, Diadema, Piracicaba e Mauá. Em 2006, um processo judicial contra a capital já havia sido aberto. De todos, oito estão sendo investigados pelas promotorias e apenas dois foram arquivados. Nenhum deles teve resultado ainda.

Em Campinas e Santo André, ainda não foram abertos Inquéritos Civis Públicos, mas em outros seis sim. Para as entidades, a explicação de que houve “mudança no perfil dos alunos, na idade mínima para entrada na modalidade e esvaziamento da demanda” é insuficiente. “Nós sabemos que as escolas estão fechando turmas de EJA por orientação da secretaria, especialmente quando elas não têm número mínimo de 40 alunos”, diz Maria Tereza Secco, integrante do Fórum do EJA-SP. “Isso cria barreiras para que a população volte às salas de aula”, afirma.

De acordo com os dados informados pela Secretaria de Educação ao Fórum, de 13 mil turmas de EJA em 2008 sobraram 8.583. Para Salomão Ximenes, advogado e coordenador do programa Ação na Justiça, da Ação Educativa, “as pessoas têm o direito à educação e devem ser atendidas pelo Estado” e “todos os indícios de que o Estado está retirando a oferta de EJA expressam uma posição de omissão ilegal”. Ele ressalta que o Estado tem como dever estimular as pessoas a continuarem a estudar, não só oferecer turmas.

Ao iG, a secretaria encaminhou um email informando que a redução das matrículas se deve à alteração da “idade mínima de ingresso no EJA, que passou de 15 para 16 anos no ensino fundamental; alteração nos cadastros da Prodesp de alunos da Fundação Casa (antiga Febem), muitos tinham menos de 16 anos; o trabalho de correção de fluxo da secretaria e a progressão continuada, que reduziu a defasagem no ensino público e a procura pelo EJA”. Segundo a assessoria de imprensa, “há vagas em todas as modalidades de ensino da rede estadual, o interessado só precisa procurar uma escola e se matricular”.

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