terça-feira, 19 de abril de 2011

Hilda Hilst > A Obscena Senhora D

FONTE: http://www.imaginariopoetico.com.br/
Hilda Hilst > A Obscena Senhora D: "

Oswaldo Goeldi, Solitário (detalhe), circa 1950, assinada, xilogravura a cores, 1/12, 23 x 29 cm. Coleção Frederico Mendes de Moraes.


Venho, Senhora D, a pedido da vila, a confissão, a comunhão, não quer? meu nome é


de onde vem o Mal, senhor?


misterium iniquitatis, Senhora D, há milênios lutamos com a resposta, coexistem bons e maus, o corpo do Mal é separado do divino.


quem criou o corpo do Mal?


Senhora D, o Mal não foi criado, fez-se, arde como ferro em brasa, e quando quer esfria, é gelo, neve, tem muitas máscaras, por sinal, não gostaria de se desfazer das suas, e trazer a paz de volta à vizinhança?


e como é o corpo do Mal?


de escuridão e ouro


só tenho coisas baças, peixes pardos, frutas secas, sacos, ferrugem, esterco e meu próprio barro: a carne.


por que fecha sempre as janelas?


e por que devo abri-las?


e por que as abre derepente e assusta as gentes e grita?


o corpo é quem grita esses vazios tristes


por que não alimenta o corpo com benquerença, aceitando o agrado dos outros?


porque o corpo está morto


e a alma?


a alma é hóspede da Terra, procura e te olha os olhos agora, e te vê cheio de perguntas


sou um homem como outro qualquer, Senhora D


então rua rua, fora, despacha-te homem como outro qualquer



HILST, Hilda. A obscena senhora D. São Paulo: Globo, 2001, p.31-32.




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